sábado, 10 de fevereiro de 2007

A Arte de Ser Feliz


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles


Sobre a autora:

Poetiza brasileira. Alta expressão da poesia feminina no país, sua obra figura entre os grandes valores da literatura de língua portuguesa do século XX.

A obra poética de Cecília Meireles ocupa lugar singular na história das letras brasileiras por não pertencer a nenhuma escola literária. Alta expressão da poesia feminina brasileira, inclui-se entre os grandes valores da literatura de língua portuguesa do século XX.
Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro RJ em 7 de novembro de 1901. Órfã muito cedo, foi educada pala avó materna e diplomou-se professora pelo Instituto de Educação em 1917. Viajou pela Europa, Estados Unidos e Oriente e logo dedicou-se ao magistério. No exercício da profissão, participou ativamente do movimento de renovação do sistema educacional brasileiro. Fundou, em 1934, a primeira biblioteca infantil do país e, de 1936 a 1938, lecionou literatura luso-brasileira, técnica e crítica literária na universidade do então Distrito Federal. Ensinou na Universidade do Texas (1940) e colaborou na imprensa carioca, escrevendo sobre folclore, tema de sua especialidade.
Depois de um começo neoparnasiano, com o volume Espectros, 17 sonetos de tema histórico, lançado em 1919, publicou dois livros de poemas de inspiração nitidamente simbolista: Nunca mais... o poema dos poemas (1923) e Baladas para el-rei (1925). De 1922 em diante foi atraída pela recentemente deflagrada revolução modernista. Aproximou-se do grupo literário Festa, ao qual não chegou porém a pertencer, mantendo a independência que sempre a caracterizou.
Foi com Viagem (1938), premiado pela Academia Brasileira de Letras depois de um acalorado debate suscitado pelo modernismo, que se deu a afirmação plena das qualidades que caracterizam a obra de Cecília Meireles: intimismo, lirismo, tendência ao misticismo e ao universal, e retorno à fonte popular, em versos de grande beleza e perfeição formal. A partir desse livro, firmou-se sua integração ao modernismo, como resultado de uma evolução estética e pessoal que iniciou-se no parnasianismo, passou pelo sombolismo e assimilou técnicas herdadas dos clássicos, dos gongóricos, dos românticos e dos surrealistas.
Cecília Meireles reafirmou a importância de sua contribuição à poesia da língua portuguesa em vários outros livros, entre eles Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); Retrato natural (1949); Doze noturnos da Holanda (1952); Romanceiro da Inconfidência (1953); Metal rosicler (1960); Poemas escritos na Índia (1962); Solombra (1964) e Ou isto ou aquilo (1964). Em português clássico, a autora serviu-se de todos os metros e ritmos com a mesma flexibilidade, a fim de construir uma obra ao mesmo tempo pessoal e universal. Morreu em 9 de novembro de 1964, no Rio de Janeiro.

Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Maria!!
Tudo bem?
Fiz um blog pra mim, e queria saber se posso adiciona-la no meu blog!!
Beijos querida!!
Jeane

Cartunage disse...

Oi, Obrigado pela visita ao meu blog, o seu tá show!

"Mulher feliz, bonita e corajosa faz todo mundo sorrir e não sentir dor"
beijão!